É comum rotularem o conde Tolstói, raivosamente, de conservador e reacionário, moralista, misógino e retrógrado. Tudo por conta de suas posições duras e firmes com relação à obra de arte ou à arte simplesmente. Uma das suas considerações mais debatidas e, por isso mesmo, mais questionadas é a seguinte:
A arte, em nossa sociedade, tornou-se tão pervertida que não somente a ruim veio a ser considerada boa, mas até mesmo a noção de que é a arte se perdeu. Desse modo, para falar de arte na nossa sociedade, é preciso, antes de tudo, distinguir a verdadeira arte de falsificações.
Falsa ou verdadeira, o que Ă© arte? Para este monumental escritor, um sinal irrefutável que distingue a arte verdadeira da falsificada Ă© o contágio. Se um homem, sem nenhum esforço de sua parte e sem mudança de sua situação, apĂłs ler, ouvir ou ver uma obra de outro homem, experimentar um estado de espĂrito que o une a outro homem e a outros que percebem o objeto da mesma forma que ele, entĂŁo o objeto que evoca tal estado Ă© um objeto de arte. Por mais poĂ©tico, realista, notável ou divertido que um objeto seja, nĂŁo será um objeto de arte a menos que evoque em alguĂ©m aquele sentimento, totalmente diferente de qualquer outro, de felicidade ou de uniĂŁo espiritual.
OpiniĂŁo inquietante, muito inquietante, escrita num livro que TolstĂłi pretendia revolucionário, elaborado num trabalho exaustivo de 15 anos colocando em debate a sua prĂłpria obra, inclusive Guerra e paz, sem dĂşvida o maior painel sobre a condição humana da ficção. TolstĂłi, porĂ©m, nunca recuou diante dos crĂticos e manteve as suas ideias sobre a Arte, embora tenha reconhecido que mudou muito de opiniĂŁo enquanto escrevia o livro.
Hoje, O que Ă© arte? Ă© encontrado somente nas obras completas do escritor, sempre em russo, as vezes em alemĂŁo. A edição brasileira mais recente Ă© de 2010 com tradução de Bete Torii para a Nova Fronteira. Mas Ă© imprescindĂvel e necessário para os estudiosos deste tema sempre apaixonante.
Ainda assim, para o exame de estudantes apressados recomenda-se a leitura urgente de suas novelas mais curtas, em traduções exemplares da JosĂ© Aguilar, em papel bĂblia. Guerra e paz Ă© um romance solitário nas suas mais de duas mil páginas sobre a dor e a solidĂŁo de viver nos escombros da condição humana. NĂŁo Ă© possĂvel ser escritor, por exemplo, sem o estudo das obras deste grande russo, mesmo quando nĂŁo concorda com ele. Todo livro de ficção Ă© um pouco de Guerra e paz.